[Proferido no Plenário do Senado Federal do Brasil em
11 de outubro de 2017]
Presidente,
talvez estejamos vivendo hoje um dos momentos mais sombrios da história do
Brasil.
Contraditoriamente,
nesse tempo em que a celeridade e a universalidade da informação rompem e
desvelam quaisquer fronteiras, nesse tempo assistimos ao esplendor da
ignorância, da desinformação e do obscurantismo. Talvez fosse assim o tempo
todo, mas a restrição e elitização dos meios de comunicação impedissem que o
distinto público se fizesse ouvir além dos círculos que frequentava.
A
internet destaramelou a língua e destravou a inibição de dezenas de milhares de
brasileiros. É livre falar, é só falar, diria Millôr Fernandes. E o que se
fala? Umberto Eco, irritadíssimo com o que lia na internet, disse que as redes
sociais haviam dado voz a uma legião de imbecis. No entanto, pelo menos no que
toca ao caso brasileiro, não é bem assim. Quer dizer, não foi apenas a um grupo
de iletrados, gente grosseira e abrutalhada que as redes sociais deram voz e
visibilidade.
O
analfabetismo político não é um privilégio daqueles supostamente incultos,
rústicos ou dos leitores da Folha de S.Paulo que opinam com
desinibição notável sobre qualquer assunto, do futebol à política, atropelando
pelo caminho as relações internacionais, a cultura, a religião e a filosofia.
O
analfabetismo político, nesses dias tão trevosos da história do Brasil, dá os
ares de sua desgraça no Parlamento, no Executivo, no Judiciário, no Ministério
Público, na Academia, nas Igrejas, nas ditas altas rodas da dita alta
sociedade. E, claro, entroniza-se com fanfarras e foguetório nas redações de
nossa gloriosa mídia, notadamente a mídia comercial e monopolista.
Deixei
de lado os economistas de mercado, os comentaristas da Globonews e da CBN,
porque quero bem a alguns analfabetos e não quero alinhá-los a tal companhia.
Aliás,
fazendo um parêntese, revela-se hoje que o Senac paga por uma palestra desses
Mervais da vida R$375 mil com dinheiro público, um verdadeiro escândalo, uma
coisa a ser averiguada e, sendo verdadeira, uma justificativa para acabar com o
tal Senac e a irresponsabilidade que o dirige.
Bertolt
Brecht, com a agudeza que o fez um dos mais reverenciados intelectuais do
século XX, definiu, para sempre, o que é um analfabeto político. Para Brecht, o
pior de todos os analfabetos é o analfabeto político pelo extenso mal que causa
à sociedade. Diariamente, os corredores desta Casa e da Casa ao lado atulham-se
de pessoas assim.
O
Brasil à beira da extinção, e os corredores desta Casa, as galerias, os nossos
gabinetes e as Comissões sufocados por reivindicações corporativas. Aumento de
vencimentos, ampliação de privilégios, isenções, exceções à regra, criação de
castas, licença para o porte de armas, autorização para matar.
O
Brasil à beira da extinção, e os ocupantes dos assentos desta Casa e da Casa
vizinha, ao lado, voltados para o próprio umbigo, cegos para a realidade das
coisas. Permutam, negociam uma pinguela, uma estrada, uma cisterna, um posto de
saúde, uma agência do Banco do Brasil ou da Caixa, a nomeação de apaniguados,
de cabos eleitorais, de compadres pela soberania nacional. Um cargo pela
soberania do Brasil. Que se lhes dá, desde que lucrem pixulecos, uma changa,
uma peita, uma molhadura, como diz o povo do nosso País.
Para
o analfabeto político, pouco importa se vendem as nossas terras e as nossas
florestas; se entregam o nosso petróleo e as riquezas minerais; se arrasam o
parque industrial brasileiro; se, sob os aplausos da mídia venal, leiloam as
hidrelétricas a preços de pipoca, entregando-as – pasmem, ó, analfabetos – para
empresas controladas pelos Estados francês, chinês ou italiano. A privatização
brasileira entrega a empresas estatais de outros países, mas o analfabeto
político não enxerga nada disso.
Que
se dá a eles, esses analfabetos, se os gastos públicos são congelados por
inacreditáveis 20 anos? Se provocam a contração da economia e depois comemoram
a queda da inflação e a redução dos juros? Com uma economia absolutamente
parada. O que há nisso a comemorar? Liquidam-se direitos e pulverizam-se
conquistas.
O
Brasil à beira da extinção como Nação soberana, e os analfabetos políticos no
Judiciário, no Ministério Público, na Polícia Federal, no Tribunal de Contas da
União, na Defensoria Pública Federal, com a cabeça enterrada na areia do
combate à corrupção. São os novos Savonarolas ou Torquemadas a procurar a
popularidade em 15 minutos de televisão.
Esses
analfabetos políticos graduados não atilam que a grande corrupção, a maior de
todas, a mãe das corrupções é a entrega do País aos interesses imperiais,
sempre a preço vil, sempre sob trâmites suspeitos, sempre promovida por gente
suspeita, por gente escolada em todo o tipo de compra e venda.
São
ou não tremendos analfabetos políticos, tapados absolutos o juiz, o procurador,
o policial federal, o defensor público, o ministro do TCU, os ministros de
tribunais superiores que, por exemplo, veem passivamente inertes o Governo –
todo ele atolado em denúncias de corrupção – vendendo o patrimônio público com
absoluta liberdade de ação?
Ora,
senhoras e senhores justiceiros, queridas e queridos, será que não ocorre às
senhoras e aos senhores que são essas pessoas que deveriam estar na cadeia?
Pessoas que estão à frente da venda das hidrelétricas, do petróleo, dos
minérios, de terras, da Floresta Amazônica, dos portos, dos aeroportos e das
estradas? As senhoras e os senhores acreditam que desta vez eles estão agindo
honestamente? São os mesmos que agiam ontem que agem hoje, neste descalabro
entreguista.
Para
mim esta é a maior prova de que o combate à corrupção é apenas um biombo, uma
tapadeira, é apenas um pretexto deslavado para a submissão total, irrestrita do
Brasil à globalização imperial, ao capital financeiro vadio.
E
pergunto, faço uma pergunta incômoda: não seriam também corruptos os que fecham
os olhos para a liquidação da soberania nacional? Não seriam eles cúmplices
dessa falcatrua inominável e abjeta?
O
pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa
dos acontecimentos.
Ele
não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel,
do sapato e do remédio. Ele não sabe que esses preços todos dependem das
decisões políticas.
O
analfabeto político não sabe, não quer saber ou, se sabe, é conivente, porque é
um quinta coluna, um traidor, que a desnacionalização do sistema elétrico e do
setor do petróleo, que a privatização da infraestrutura aeroportuária,
rodoviária, ferroviária e hidroviária, que a desindustrialização e a
primarização da economia brasileira levarão o País a se transformar em um mero
Estado associado a grandes potências, renunciando para sempre a soberania, a
dignidade, o respeito, a autoestima, a honra, o desenvolvimento e a boa qualidade
de vida para toda a nossa gente.
"Mas
o analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que
odeia a política". Escolas sem partido, sem política, sem ideia. O
analfabeto político é tão idiota que se apaixona perdidamente, prontamente,
pelos políticos que dizem que não são políticos; pelos políticos que também
dizem que odeiam a política.
O
analfabeto político está sempre pronto para aderir ao primeiro picareta que
surja na esquina desfraldando as bandeiras da moralidade, da ética e da
política sem partidos. Os analfabetos políticos adoram os
"administradores" – entre aspas –, os "técnicos" – entre
aspas – e os "empresários" – entre aspas –, tidos como empresários de
sucesso. Os analfabetos políticos têm queda por apresentadores de televisão,
técnicos de vôlei, procuradores da República, juízes federais, ex-Ministros do
Supremo que namoram candidaturas à Presidência da República.
E
não adiantam os trágicos exemplos da história sobre esses salvadores da Pátria,
esses iluminados, esses apolíticos.
O
analfabeto político, em sua ignorância impermeável, ceratinosa, está sempre
alerta, eternamente vigilante para apoiar até mesmo um Luciano Huck, um Dória
ou – quem duvida? – talvez até um Alexandre Frota, ou a ex-apresentadora da
Globo, Valéria Monteiro, que anunciou a pretensão de se candidatar à
Presidência da República e que, então, está à procura de quem lhe dê uma
legenda e um programa de governo.
Oh,
Deus misericordioso!
Senhoras
e senhores, arremato com a parte final do poema de Bertold Brecht sobre o
analfabeto político:
Não
sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor
abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra,
corrupto e lacaio das empresas nacionais ou multinacionais.
Hoje,
o capital financeiro que tenta dominar o mundo é representado pelos meirelles e
pelos goldfajns, que não sabem – e nem se preocupam em saber – quanto custa 1kg
de feijão, 1kg de arroz ou uma posta de carne para dar a mistura no almoço de
um pobre trabalhador brasileiro.
Impressionou-me
hoje – já fora do contexto deste pronunciamento – a Presidente do Supremo
Tribunal Federal. Ciosa do direito à hora do almoço dos senhores ministros, interrompeu
às 11h30 dizendo que o direito ao almoço dos ministros deveria ser respeitado –
e, cá entre nós, deve, sim, ser respeitado –, e eles pararam às 11h30 para
recomeçarem às 13h30. Duas horas de almoço para os senhores ministros.
Merecidas. Eles precisam disso, eles têm que pensar, raciocinar, ler os
processos. O almoço tem que ser um momento de tranquilidade, mas foi, aqui,
este Plenário do Senado Federal, que, votando uma CLT feita pelo capiroto, pelo
diabo, pelo Satanás, precarizou o almoço de todos os trabalhadores brasileiros.
Obrigado,
Presidente, pelo tempo e pela oportunidade.